Rebobina

Havia um tempo a hora da estática
Que punha em silêncio e perspectiva
Era quando ainda dava pra calar, pra escutar
Para digerir, pra perdoar…
Ou odiar, depois de pensar o porquê

No fim da programação, o som do chuvisco forçava
Desligar o botão

Só eu sinto falta do silêncio do fim da programação?
Eu só sinto falta do tédio que me jogava no chão

E lia palavras nas folhas do papel
E olhava pro teto
Imaginava o céu
Criava aquilo que não era criado por mim, para mim
Pensava um mundo meu para dividir com você

E a estática deu lugar a um fluxo eterno de imagens, sons e palavras
Que me encheu de tudo que outros faziam
Até que me esvaziei do que eu mesmo sentia
E já não dava mais para calar, nem pra ouvir
Pra acostumar ou rejeitar ou aceitar, depois de pensar
Eu era apenas reflexo mecânico deles que habitavam em mim

No fim da programação, o apito, o ajuste do monitor
Quando a madrugada era mais sem cor

Eu sinto mesmo é falta do fim da grade horária
Eu sinto mesmo é falta do tédio da tela bem tarde, vazia

Quando imaginava em linhas novos mundos
E movimentos
E me descobria por dentro dos meus sentimentos
E me aprendia por mim, para mim
Pensava um novo eu e desejava que ele fosse teu

Ira Carlovich, 2020.

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